A expropriação da YPF por parte do governo de Cristina Kirchner voltou a demonstrar as brechas ideológicas que percorrem a região: enquanto Hugo Chávez aplaudia a medida, Felipe Calderón e Sebastián Piñera a criticavam.
No entanto, outros governos optaram pelo silêncio (caso de Ollanta Humala no Peru) ou por apoiar a medida mais para congraçar com seu eleitorado do que por afinidade a tais medidas (José Mujica).
(Especial para Infolatam por Rogelio Núñez).- A expropriação da Repsol é um movimento com um alcance claramente latino-americano e também global (afeta à UE e os EUA). Por isso, tem obrigado os diferentes governos da região a se posicionar. Em teoria, os executivos do “socialismo do século XXI” deviam estar situados como favoráveis às medidas expropriadoras e os executivos reformistas de centro-direita e centro-esquerda contra.
A reação do bloco chavista
E a princípio assim pareceu. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, apoiou a decisão da Argentina. Seu chanceler, Ricardo Maduro, leu um comunicado no qual expressava que Chávez “saúda e respalda a decisão anunciada pelo Governo da presidenta Cristina Fernández de nacionalizar a principal empresa petroleira argentina”.
“A Venezuela rejeita as ameaças ou tentativas de intimidação que na Europa se formularam contra a República Argentina, e faz um chamado a que (nós das) nações irmãs do continente acompanhemos a Argentina no exercício de seus direitos soberanos”, acrescentou Maduro.
A Venezuela é um dos principais apoios da Argentina
O presidente do Equador, Rafael Correa, não opinou ainda, mas vale recordar que, ao final da década passada, expulsou a empresa petroleira hispano-argentina.
E fez isso com duras palavras: “A Repsol se vai do país porque nos fez perder o tempo como oito meses, além de que tem diminuído a produção e os investimentos, e não tem aceitado renegociar o contrato… que entendam as companhias transnacionais: a ‘Banana República’ acabou-se (…). Aqui eles não vão pôr as condições, as vai pôr o país”.
No entanto, o presidente que iniciou em 2006 as medidas expropriadoras na região, Evo Morales, se distanciou agora da iniciativa argentina: “o tema Argentina-Repsol é um tema da Argentina e Espanha, (da) Repsol como empresa e (da) Argentina. Não nos vai trazer nenhum problema, porque nós temos uma relação de muita confiança com a Repsol”.
Isso poderia ser devido a que, apesar de Morales tenha anunciado a nacionalização dos hidrocarbonetos há quase 6 anos, depois negociou novos contratos com as petroleiras, e na atualidade a convivência é ótima: “a Repsol respeita todas as normas bolivianas e os investimentos que estão fazendo vão bem …Este fato da Repsol-Argentina estou convencido de que não vai influir para nada na Bolívia, porque nossos acordos assinados são entre empresas e com a confiança dos governos da Espanha e Bolívia”.
Morales admitiu que “teve um momento de tensão” com a Repsol quando a Assembleia Constituinte redigia a nova Constituição, mas, “uma vez aprovada a nova Constituição, os novos contratos, se acelerou o investimento”.
A reação dos governos reformistas moderados
Os principais apoios da Espanha na região procedem do Chile e, sobretudo de México. A Pemex possui 9,49% da Repsol e a petroleira chilena Enap tem importantes investimentos em explorações conjuntas com a YPF.
O presidente deste país, Felipe Calderón, foi o mais claro na hora de condenar a expropriação: “parece-me lamentável que nossa boa amiga Cristina Fernández tenha tomado uma medida que não vai fazer bem a ninguém, já não dizendo aos investidores da Repsol, dos quais o México é parte, mas que não vai fazer bem aos argentinos, pois todos os países em desenvolvimento precisam de investimento… Ninguém em seus cinco sentidos investe em países que expropriam os investimentos… esse é o pior incentivo”.
Felipe Calderón tem dado seu respaldo a Mariano Rajoy no tema YPF
O chileno Sebastián Piñera manteve um perfil bem mais baixo ainda que também crítico à medida: “(é) fato também (que o) Chile está envolvido porque parte de um dos poços petrolíferos é uma ação conjunta entre uma filial da Enap e da Repsol. E portanto, nesta matéria as regras são simples, os países têm que respeitar a lei, o Estado de direito”.
O Governo do Chile recebeu com preocupação a expropriação da YPF, pois considera “óbvio” que também sua indústria nacional se verá afetada, na medida em que a Repsol tem vínculos com a Empresa Nacional do Petróleo (ENAP) chilena.
Mas, a Espanha não encontrou um frente de governos moderados em seu apoio. Dois presidentes da esquerda reformista como o Brasil de Dilma Rousseff e o Uruguai de José Mujica têm apoiado a medida expropriadora que, com segurança, nenhum deles impulsionaria em seu país.
O governo de Dilma Rousseff descartou qualquer preocupação pela decisão da Argentina. “Não acho que tenha qualquer problema fundamental na relação com a Argentina”, disse Edison Lobão, ministro brasileiro de Minas e Energia, quem acrescentou que reconhecia “que os países têm sua soberania e podem reagir como bem entendam”.
Por sua vez, José Mujica afirmou que a medida tomada pela Argentina “está no marco de sua soberania…gostem ou não, mas em definitiva os governos podem tomar essa decisão”.
A razão deste apoio pode ser dupla. Primeiro, por solidariedade, dado que o Brasil e o Uruguai são sócios da Argentina no Mercosul. Isso ficou muito claro nas palavras de Mujica: “em todo caso, o erro da Argentina foi ter vendido, mas é um erro velho… não gostamos da prepotência da Europa de rica. Guambia! (Cuidado!) Argentina pode cometer seus erros como qualquer (um), mas tem suas razões…se o arranja ou não é problema do povo argentino. Nossa solidariedade nas verdes e nas maduras”.
Ademais, dadas às tensões entrecruzadas da taxa comercial que existem entre estes países, o atual apoio que brindam uruguaios e brasileiros serve para descongestionar a relação.
O presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy buscará o apoio internacional para frear a expropriação
Em segundo lugar, esse respaldo a Cristina Kirchner por parte destes dois governos de esquerda, que levam a cabo políticas moderadas ao interior dos seus países, lhes serve para se legitimar internamente com respeito a seu eleitorado.
Suas bases veem com bons olhos essa medida de corte ”progressista” pelo que à Dilma e a Mujica internamente não supõe um grande desgaste apoiar uma expropriação além das suas fronteiras.
A estratégia da Espanha
O respaldo do Brasil, Uruguai e Venezuela serve a Cristina Kirchner para fazer frente à estratégia que a Espanha irá impulsionar, centrada em que a comunidade internacional tome a medida contra a Repsol como um aviso aos navegantes.
Nas palavras do presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy: “o que ontem aconteceu a uma empresa espanhola alguém pode pensar que pode ocorrer amanhã com qualquer outro investimento… isso senta um grave precedente para o conjunto das relações comerciais em uma economia globalizada”.
José Manuel García Margallo, ministro de Assuntos Exteriores, nessa mesma linha já advertiu que a “Argentina precisa obter financiamento por 36.000 milhões de euros e pode ser que veja serem cortados os crédito dos investidores internacionais depois desta medida”.
O chanceler espanhol recordou que o governo “desdobra gerenciamentos para obter a colaboração de governos amigos da União Europeia, Estados Unidos e do G-20 para que se veja que este governo é sério e que tem amigos internacionais… amanhã esta medida, que é uma má notícia para a Espanha, mas é péssima para a Argentina, pode afetar qualquer investidor internacional”.
No momento, a Espanha tem conseguido a solidariedade da UE. A Comissão Europeia já expressou “sua mais enérgica condenação” e sua “inquietude” e o vice-presidente da Comissão, o italiano Antonio Tajani, anunciou que seus “serviços jurídicos estudam, de acordo com a Espanha, as medidas a adotar. Não se exclui nenhuma opção”.
Traduzido por Infolatam
Infolatam Guatemala, 18 de abril de 2012 |