O pátio de Karina, não é particular Imprimir
Escrito por Fuente indicada en la materia   
Domingo, 20 de Diciembre de 2009 18:41

Por Yoani Sánchez

O lobo feroz e o homem do saco se chamavam de outra maneira na minha infância: a Reforma Urbana. Criada numa casa da qual os meus pais não tinham a escritura, quando tocavam na porta um sobressalto nos percorria de que poderia ser um inspetor de moradia. Aprendi a olhar pelas persianas antes de abrir, uma prática que ainda conservo para evitar esses bisbilhoteiros com processos que nos advertiam da fragilidade legal do nosso lar. A instituição que eles representavam era mais temida na minha casa do que a própria polícia. Numerosos confiscos, selos colados nas portas, despejos e multas, faziam que os valentes de Centro Havana cerrassem as mandíbulas quando ouviam falar do Instituto de Moradia.

Nos dias atuais esse fantasma da minha meninice regressou com o acontecido ao redor do pátio da minha amiga Karina Gálvez. Economista e professora universitária, esta simpática pinareña fez parte do conselho editorial da revista Vitral e agora é um imprescindível pilar do portal Convivencia. Isso, numa sociedade onde a censura e o oportunismo vicejam - por todas as partes - como o marabú (erva daninha), pode ser interpretado como um grande erro de Karina. Para o cúmulo, sempre acreditou que a casa de seus pais, onde nasceu e vive há mais de quarenta anos, era uma propriedade familiar, tal como diz o documento guardado na segunda gaveta do seu armário. Baseando-se em que construir no próprio pátio deve ser algo tão íntimo como a decisão de deixar crescer as unhas, ergueu um quiosque sem paredes para o qual todos os amigos contribuiram com algo. Pouco a pouco tornou-se em lugar de debate, epicentro da reflexão e lugar de peregrinação imprescindível para criadores e livrepensadores de Pinar del Río.

Até o Emérito Bispo Ciro González veio abençoar a Virgem da Caridade que presidia aquele espaço acolhedor. Recordo que Reinaldo e eu procuramos um ceramista que gravou a bandeira e o escudo cubanos para o altar improvisado no já celébre “Pátio de Karina”. Começaram então as escaramuças legais, os inspetores da Reforma Urbana com suas ameaças de demolição obrigatória e expropriação. Parecia que tudo ia acabar numa penalização monetária - ou na pior das hipóteses - na derrubada do construido. Porém os que não souberam edificar têm prazer especial em confiscar, tirar o conseguido pelos outros, desapropriar o que eles mesmos não criaram. De maneira que ontem, terça-feira, uma brigada chegou na casa da minha amiga e anunciou que seu pátio já não era seu, senão propriedade da empresa estatal CIMEX que se limita com a casa. Numa velocidade raramente vista por estes lares, levantaram um barreira de metal que de noite se converteu num muro de ladrilhos.

Karina - em sua infinita capacidade de rir de tudo - me disse que pintaram sobre a feia muralha um par de galos coloridos que anunciam a alvorada. O outro lado, o terreno que sempre lhe pertenceu agora é usado por outros. Um dia o recuperará, eu sei, porque nem a Reforma Urbana, nem a polícia política, nem a brigada de resposta rápida que postaram fora, poderão impedir que continuemos dizendo e sentindo que esse é o Pátio de Karina.

Galeria de fotos de Yoani Sánchez no Flickr

Traduzido por Humberto Sisley de Souza Neto

Última actualización el Domingo, 20 de Diciembre de 2009 18:42