Nosso homem em Havana (e um cadáver) Imprimir
Escrito por Fuente indicada en la materia   
Domingo, 14 de Marzo de 2010 11:42

Por SÉRGIO MALBERGIER

A última viagem de Lula presidente a Cuba não poderia ter sido mais expressiva de como a nossa política externa perdeu a coerência mínima para dar ao seu discurso alguma credibilidade.

Neófitos no grande jogo internacional ao qual o Brasil ascendeu graças à sua força econômica e a sua estabilidade política, não por causa deste ou daquele governo, nossos diplomatas e governantes parecem ingênuos, ideológicos, ordinariamente partidários, assumidamente cínicos, desastradamente voluntaristas, permanentemente contraditórios. Muito longe da imagem de profissionalismo tão cultivada pelo Itamaraty.

Lula chegou a Havana horas depois da morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo, que não resistiu a 85 dias de greve de fome na prisão.

O companheiro Zapata, pedreiro negro de 42 anos detido em 2003 e condenado várias vezes por "desacato" e "desordem pública", cumpria pena acumulada de 36 anos quando morreu, segundo a Anistia Internacional.

Zapata era um dos 55 "prisioneiros de consciência" de Cuba acompanhados pela Anistia, que pediu a libertação de todos eles em resposta à morte do dissidente.

Enquanto isso, Lula aparecia, em clima festivo, ao lado do ex-ditador Fidel Castro e do atual, seu irmão Raúl Castro, apesar do cadáver fresco do pedreiro Zapata.

Raúl teve a cara dura de culpar os EUA pela morte de Zapata, que fazia greve de fome contra as péssimas condições carcerárias da ilha.

Ele só foi superado pelo insuperável Marco Aurélio Garcia, assessor de Lula para política externa. "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro", minimizou ele.

Fico imaginando o que, por exemplo, Dilma Rousseff pensaria se, na época em que esteve presa pela ditadura, visse o presidente de uma importante democracia dar apoio ao general Emílio Garrastazu Médici.

O anacrônico regime cubano é insustentável. O atual governo brasileiro só prolonga o sofrimento da ilha ao apoiar cegamente a ditadura dos irmãos Castro e reverenciar um moribundo Fidel como guru espiritual.

"Respeitamos e amamos o povo brasileiro, mas o governo Lula não deu nenhuma palavra de solidariedade para com os direitos humanos em Cuba. Tem sido um verdadeiro cúmplice da violação dos direitos humanos em Cuba", disse o proeminente líder dissidente cubano Oswaldo Payá sobre a visita.

Sentimento parecido terão os oposicionistas detidos no Irã, alguns no corredor da morte, quando Lula visitar o país em maio.

O próximo grande disparate de nossa política externa já tem data e lugar para acontecer.


Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

Última actualización el Domingo, 14 de Marzo de 2010 11:47