Cuba vive maior êxodo desde revolução, Por Jamil ChadeColunista do UOL, em Havana Imprimir
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Sábado, 02 de Marzo de 2024 13:01

 

Na periferia de Havana, um cartaz gigante anuncia: "Aqui, nadie se rinde". Ou simplesmente: aqui, ninguém se rende. A propaganda do governo é ainda dos anos de Fidel Castro. Mas, segundo um morador da cidade, a placa ganhou uma nova pintura recentemente — como se a mensagem tivesse de ser reforçada.

A realidade, entretanto, não é coerente com a frase. Milhares de cubanos deixaram o país nos últimos dois anos, fugindo da pior crise vivida pelo país desde o colapso da União Soviética há três décadas. O bloqueio americano cruelmente intensificado, a pandemia de covid, uma gestão desastrosa, um furacão, a guerra na Ucrânia e considerações geopolíticas colocaram Cuba e seu modelo em um… - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/03/02/cuba-vive-maior-exodo-desde-revolucao.htm?cmpid=copiaecola

 

Na periferia de Havana, um cartaz gigante anuncia: "Aqui, nadie se rinde". Ou simplesmente: aqui, ninguém se rende. A propaganda do governo é ainda dos anos de Fidel Castro. Mas, segundo um morador da cidade, a placa ganhou uma nova pintura recentemente — como se a mensagem tivesse de ser reforçada.

Prédio em Havana: fatores econômicos, internacionais e geopolíticos colocaram Cuba em uma encruzilhada

A realidade, entretanto, não é coerente com a frase. Milhares de cubanos deixaram o país nos últimos dois anos, fugindo da pior crise vivida pelo país desde o colapso da União Soviética há três décadas. O bloqueio americano cruelmente intensificado, a pandemia de covid, uma gestão desastrosa, um furacão, a guerra na Ucrânia e considerações geopolíticas colocaram Cuba e seu modelo em uma encruzilhada.

 

Os números do governo de Washington apontam que 313 mil cubanos cruzaram as fronteiras dos EUA em 2022. As autoridades aduaneiras americanas ainda falam em 153 mil entradas de cubanos irregulares em 2023, além de outros 67 mil que foram aceitos nos EUA por meio do programa de imigração criado por Joe Biden chamado Parole.

Em apenas dois anos, portanto, pelo menos 533 mil cubanos deixaram a ilha apenas em direção aos EUA — cerca de 5% dos 11 milhões de cubanos. De cada dez deles, oito estão em idade de trabalho.


Se não bastasse, 37 mil cubanos pediram refúgio no México entre 2022 e 2023 e, com o passar do tempo, o ritmo ganha força. Em agosto de 2023, 6 mil cubanos chegaram à fronteira entre o México e os EUA. Em setembro, o número já era de 10 mil.


 

Ninguém sabe exatamente dizer a dimensão do êxodo, enquanto se especula entre diplomatas sul-americanos que o número seria ainda maior se forem somados os cubanos que buscam a Espanha ou a América Latina como destinos.

Mas mesmo os números oficiais do governo norte-americano já são superiores, em termos absolutos, às demais ondas de saída da ilha desde a revolução de 1959, por Fidel Castro.


Naquele momento e até 1962, 250 mil cubanos deixaram o país.

Nos anos 80, foram mais 130 mil.

 

Com a crise diante do colapso da ajuda de Moscou, nos anos 90, mais 30 mil deixaram o país.

Nada, porém, se compara ao que ocorre hoje. Para muitos cubanos, uma das rotas mais populares para emigrar é o voo para a Nicarágua, do aliado Daniel Ortega. Desde 2021, um cubano pode entrar como "turista" no país centro-americano. E, de lá, iniciam uma longa caminhada até a fronteira entre o México e os EUA.

Para financiar o percurso de 3 mil quilômetros e os "coiotes" que fazem a travessia pelas fronteiras, os cubanos vendem suas casas por cinco mil dólares e mobilizam recursos da família, na esperança de escapar da escassez que toma conta do país.


 

O governo cubano não divulga números sobre isso.

Cubanos vendem tudo para deixar ilha, diz Padura

A situação de profunda crise que vive o país tem levado até mesmo os filhos de cubanos que dedicaram toda suas vidas ao governo a partirem para Miami.


 

"As pessoas estão vendendo tudo, ao preço que seja, para ir embora", diz o escritor Leonardo Padura, ao receber o UOL em sua casa.

A realidade é que essa desesperança é baseada em fatos reais. Com a guerra na Ucrânia e a crise na Venezuela, Cuba deixou de contar com seus aliados em Moscou e Caracas no fornecimento de combustível. O resultado: frequentes apagões pelo país e o uso da energia para abastecer os hotéis com turistas estrangeiros.


 

Em outubro de 2023, por exemplo, o déficit de energia era equivalente a 20% do consumo nacional. Nos postos de gasolina, motoristas relatam filas de até 24 horas. E, mesmo assim, sem garantias de abastecimento.

A falta de combustível passou a ter até um impacto político. As grandes caravanas de todo o canto do país para marcar as principais datas da revolução, em Havana, passaram a ser reduzidas ou até canceladas.


 

Outro símbolo da crise tem sido a questão do acesso aos alimentos. 85% da comida consumida no país é importada. Em meados de 2023, o presidente do Parlamento cubano, Esteban Lazo, admitiu que praticamente 100% da cesta básica estava sendo importada.

A grande dependência passou a custar caro quando, nos mercados internacionais, o preço dos alimentos explodiu por conta da guerra na Ucrânia.

O UOL visitou os centros de distribuição de alimentos subsidiados para a população. Mas encontrou prateleiras vazias e um racionamento medido grama a grama. No momento em que se completa 60 anos da "libreta" — que cada cubano conta para garantir o acesso à comida a um preço baixo —, mesmo os funcionários dos locais de distribuição são irônicos.


 

"Isso é Cuba", disse uma mulher enquanto explicava que seu centro não contava com leite que o estado deveria garantir para as crianças. Em outro centro, era dia de frango. Mas apenas 500 gramas de carne por pessoa por mês.

O restante das necessidades os cubanos precisam comprar nos mercados convencionais, hoje a preços proibitivos depois da explosão do custo de vida.


 

Fontes do próprio governo Lula em Brasília admitem que a crise de alimentos em Cuba hoje justificaria um pedido de ajuda humanitária. Mas decretar tal condição está descartado — já que insinuaria o fracasso do modelo.


UOL.COM.BR

Última actualización el Viernes, 08 de Marzo de 2024 13:54