Nascida há mais de 500 anos, ideia de renda básica para todos ganha força na pandemia Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Domingo, 26 de Julio de 2020 20:28

Com a pandemia e os auxílios financeiros instituídos em boa parte do mundo, o debate sobre a renda básica se ampliou. No Brasil, a questão vem sendo discutida por economistas e políticos, com propostas que variam desde a continuidade do auxílio emergencial até planos mais amplos de distribuição de renda.

Eduardo Suplicy

De acordo com Waltenberg, a discussão é atemporal pois lida com preocupações bastante humanas. "A questão da automação do trabalho não era forte há algumas décadas, mas a renda básica já era discutida. Enquanto uma pessoa de esquerda está preocupada com a igualdade, a de direita se preocupa com a liberdade, e a renda básica pode ser enxergada por esses dois caminhos. Hoje a pandemia mostrou que uma parcela da população é vulnerável economicamente. Então a motivação central para o debate muda, mas no fundo é sempre a mesma: a garantia de uma segurança econômica mínima."

 

No caso brasileiro, o pesquisador da FGV Daniel Duque acredita que a discussão ainda é inicial e precisa avançar para que seja definido se a renda básica é ou não o melhor modelo.

"Muitos defendem que não é o caminho, que é preciso criar programas mais focados em crianças, por exemplo. Então ainda devemos levar anos para desenvolver uma política de apoio social de maior orçamento."

Suplicy, que enxerga o Bolsa Família como um primeiro passo para implantar um programa mais amplo no futuro, vê com otimismo o debate atual e comemora o lançamento de uma frente parlamentar para coordenar a discussão sobre o tema no Congresso.

"Na minha vida, tenho duas montanhas a remover. A primeira é reconquistar diariamente a minha companheira, a segunda é instituir a renda básica de cidadania no Brasil. E eu acredito que vou conseguir remover as duas montanhas."

A pandemia e o caso brasileiro

Aprovada e sancionada desde 2004, a lei da renda básica da cidadania, proposta por Suplicy, nunca chegou a ser implementada no Brasil. Segundo o documento, brasileiros e estrangeiros que vivem no país há pelo menos cinco anos devem ter direito a um benefício suficiente para atender despesas básicas com alimentação, educação e saúde.

Em todo o mundo, apesar das várias experiências, nenhum país chegou a adotar a política a nível nacional.

Para Tatiana Roque, os principais pontos de resistência à ideia estão vinculados à questão do trabalho e à taxação necessária para que ela seja implementada. "Muita gente acha que os direitos sociais devem ser vinculados ao emprego ou isso desestimularia o trabalho. A outra resistência é financeira, embora esteja cada vez mais claro que a saída é tributar os mais ricos, para que haja uma redistribuição de renda."

Experiências pelo mundo

"A proposta da renda básica está tendo no mundo experiências formidáveis", afirma o ex-senador Eduardo Suplicy, que há 30 anos luta pela implantação do sistema no Brasil.

Em entrevista à BBC, ele conta que visitou projetos em países como Quênia, Namíbia e o Estado do Alasca, nos EUA.

"Também há experiências na Finlândia, na província de Ontário, no Canadá, em Barcelona, onde o debate está muito forte, na França, na Índia, na Coreia do Sul".

O Alasca é um dos lugares onde a renda básica existe há mais tempo e em maior escala — desde 1982, seus mais de 700 mil habitantes recebem um valor anual, que varia de acordo com os rendimentos dos royalties do petróleo. Em 2019, foram US$ 1.609 por pessoa.

"Em 1980, o Alasca era o mais desigual dos 50 Estados norte-americanos. Atualmente, ele e o Utah são os dois Estados mais igualitários dos EUA, e hoje significa suicídio político para qualquer liderança propor o fim desse sistema", declara Suplicy.

Um outro experimento recente com a renda básica, realizado na Finlândia entre 2017 e 2018, teve resultados ambíguos. Embora os dois mil finlandeses desempregados que receberam um auxílio mensal de 560 euros tenham apresentado queda nos níveis de estresse e insegurança, a pesquisa apontou pouca diferença na perspectiva de emprego em comparação com aqueles que não passaram pela experiência.

No Brasil, o município de Maricá, no Rio, começou a implementar no final de 2019 um projeto de renda básica a nível municipal. Desde dezembro de 2019, 42,5 mil pessoas com renda familiar de até três salários mínimos passaram a receber um benefício mensal. O valor é pago em mumbucas, moeda social criada em 2014 para estimular a economia local.

"Durante a pandemia, a cidade aumentou o benefício de R$ 130 para R$ 300 e implementou medidas como empréstimo para empresas, pagamento de salários a funcionários de empresas pequenas e distribuição de cestas básicas", conta o economista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fabio Waltenberg, que coordena um projeto de pesquisa na cidade.

Seu imenso litoral, com extensão de 46 km, garante a Maricá o posto de cidade brasileira que mais recebe recursos com a exploração do petróleo, o que permite a realização do experimento.

"Eles tiveram uma resposta rápida à pandemia porque são um município muito rico e já tinham uma estrutura montada. A prefeitura tomou a decisão de ampliar o benefício e na semana seguinte já estava na conta de todos."

A ideia é que até 2022 todos os 161 mil habitantes de Maricá, sem distinção, estejam recebendo o benefício.

BBC BRASIL

Última actualización el Jueves, 30 de Julio de 2020 05:17