Cuba, a ONU e o papa peronista Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Viernes, 18 de Septiembre de 2015 12:45

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Os 38 graus de temperatura que registrados na ilha no momento de escrever estas linhas não serão um impedimento para que o papa realize três missas em Cuba. Uma maratona de Francisco, que chegará em Havana no próximo sábado, terá um primeiro contato com o público numa cerimônia religiosa na histórica Praça da Revolução, onde já estiveram o polonês Karol Wojtyla (em janeiro de 1998) e o alemão Joseph Ratzinger (em março de 2012). Em outro contexto, a Casa Branca chegou a pressionar Wojtyla para evitar sua visita a Cuba – como não conseguiu, tentou fazer com que o sumo pontífice a condenasse publicamente o governo revolucionário.

 

No entanto, o polonês ficou cinco dias e classificou os sistemas de saúde e educação na ilha entre os melhores do mundo. Fidel, que estudou em um colégio jesuíta, conseguiu diminuir o isolamento de muita gente ao selar um pacto com Wojtyla, no mesmo ano de 1998 em que Jorge Bergoglio assumiu a titularidade do arcebispado de Buenos Aires e deixava clara sua visão do encontro em Havana em um livro de sua autora, chamado: “Diálogos entre João Paulo II e Fidel Castro”. Não imaginava que 17 anos depois, dialogaria com Raúl Castro, e talvez com o próprio Fidel, sendo ele o papa em visita à ilha caribenha.

Não são muitas as nações que receberam três chefes do Estado do Vaticano – na América Latina, somente o Brasil alcançou essa façanha. O curioso é que Cuba está governada pelo Partido Comunista, e somente uma pequena porcentagem dos 12 milhões de cubanos está inscrita oficialmente como católica. O Brasil, pelo contrário, abriga o maior número de católicos do mundo, em termos proporcionais: mais da metade dos 200 milhões de brasileiros se declaram católicos.

O contexto da chegada a Cuba do papa argentino e latino-americano tem alguns ingredientes interessantes. Um deles é que o próprio Raúl convidou a presidenta argentina a estar presente nesse histórico momento. Muitos recordam que, em vez de ir à Casa Branca para a posse de Barack Obama, na cerimônia de janeiro de 2009, Cristina esteve em Cuba, reunida com Fidel Castro, quando o ex-presidente cubano pediu ao recém empossado presidente afro-americano que terminasse com o bloqueio ao seu país. Poucos anos depois, os irmãos Castro, Obama, Bergoglio e Cristina estão identificados com o tema, que parece ter tomado o caminho de uma solução. Ademais, Bergoglio teve um papel importante nas conversas que Raúl Castro e Barack Obama tiveram para chegar à normalização das relações diplomáticas com a abertura das embaixadas respectivas, no dia 20 de julho. E não só isso: Obama instou o Congresso do seu país, onde o conservador Partido Republicano tem maioria, a ditar uma lei que termine com o embargo imposto em outubro de 1960 e que prejudica as relações econômicas e financeiras com a ilha. Para tomar dimensão das sanções, os estadunidenses estavam proibidos de viajar diretamente a Cuba e os passageiros devem passar pelo forte controle do Ministério dos Transportes dos Estados Unidos, para justificar a viagem por motivos familiares, de saúde ou acadêmicos.

Como sinal de mudança, Raúl Castro se despedirá de Francisco na próxima terça-feira, nas escadas do avião que deixará o aeroporto José Martí, num voo que aterrizará três horas e meia depois na Base Andrews, em Washington DC, onde estará Obama, para lhe dar a mão e as boas vindas. Será a primeira vez, em seus 78 anos, que Jorge Bergoglio pisará solo estadunidense.

As missas que Francisco dará em Havana, Holguín e Santiago de Cuba serão o prólogo das atividades que ele terá no país norte-americano. Desde a visita à Casa Branca, com os jardins repletos de pessoas, até a missa do dia 24 de setembro, no Madison Square Garden, passando por uma visita à histórica paróquia de Saint Patrick, berço dos católicos novaiorquinos de origem irlandesa. O interessante é que a colônia irlandesa já não é a única comunidade católica grande do país, hoje estão também os latino-americanos que se mudaram ao país em busca de trabalho. Os “hispanos” – como são chamados no norte – eram apenas 1% da população na metade do século passado e na atualidade representam mais de 15%. E crescem proporcionalmente muito mais, quando comparados a outras comunidades. A imensa maioria desses latino-americanos da primeira ou segunda geração é de origem católica, de forma que a chegada de um Papa carismático, proveniente também do sul do Rio Bravo, gera uma expectativa imensa.

Aqui chega o momento de falar da verdadeira cara da crescente presença latino-americana no território do norte. Os indocumentados de origem mexicana são já 11 milhões, não possuem direitos civis devido à sua condição de “ilegais”, mas são extremamente funcionais a um capitalismo que lhes dá salários de miséria por tarefas que os habitantes com direitos não fariam de nenhuma forma – e menos ainda por um salário miserável. Anualmente, as patrulhas de fronteira dos Estados Unidos prendem ao redor de 200 mil mexicanos, que tentam entrar no norte, e não menos de 400 mil dos que conseguiram passar são deportados.

Um problema parecido ao vivido atualmente na Europa, que vive, por sua parte uma cresce especialmente mais delicada e urgente, considerando o momento atual. Aylan Kurdi, com sua camisetinha vermelha e um shorts azul, estendido sem vida numa praia turística na Turquia, com seus três aninhos, foi a imagem que escandalizou o mundo inteiro há duas semanas. A partir dela, surgiram movimentos de solidariedade nas praças da Europa, e ao mesmo tempo, vários governos assumiram o que negaram durante décadas: nunca houve tantos deportados e desabrigados vindos de países próximos ao Velho Continente, muitos dos quais são ex-colônias de grandes nações europeias. Os altos níveis de xenofobia e hipocrisia, que levaram ao ocultamento ou omissão diante dos problemas gerados pela crise humanitária, deram lugar, finalmente, a uma corrente de identificação e indignação com a situação limite que esses imigrantes sofrem. Como dado significativo dessa mudança, no sábado passado, o líder trabalhista Jeremy Corbyn se impôs nas eleições internas do seu partido, e sua primeira atividade foi uma marcha em solidariedade aos imigrantes, que passou por várias ruas do centro de Londres. Corbyn representa uma esquerda britânica que durante décadas se manteve minoritária dentro do Partido Trabalhista, relegada pela maioria moderada que foi liderada e simbolizada por Tony Blair.

Se um líder residente na Europa manteve vigente a causa em favor de um melhor tratamento aos imigrantes, se alguém levantou a voz quando morreram 700 imigrantes norte-africanos na ilha de Lampedusa, em abril, foi precisamente o Papa. E sua declaração não discriminou se as vítimas eram muçulmanas, católicas, evangélicas ou adeptas de religiões africanas. Não há dúvidas de que a comunidade latino-americana, e em especial a de origem mexicana, encontrará em Francisco um interlocutor importante em seu favor, para colocar a situação dos ilegais na agenda dos Estados Unidos. O próprio Obama, em maio deste ano, propiciou uma reforma migratória, mas se deparou com uma parede no Congresso norte-americano.

Na sexta-feira da próxima semana (dia 25/9), Francisco irá à sede das Nações Unidas, ao lado do East River, em pleno coração de Manhattan. Certamente já terá deixado para trás a derrota do seu time do coração, o San Lorenzo, contra o seu arquirrival Huracán, que lhe valeu perder a liderança do Campeonato Argentino para o Boca Juniors. Em sua declaração ante os mandatários de quase 200 nações, o Papa defenderá a encíclica Laudato Si (“louvado sejas”), que alguns apelidaram de “a encíclica verde”. O texto foi publicado em maio e denuncia os poderosos negócios das multinacionais de mineração, de petróleo, de sementes geneticamente modificadas e os agroquímicos, assim como a emanação de gases do efeito estufa proveniente das cidades superpovoadas, sobretudo das plantas industriais, que não tomam medidas para evitar a destruição da camada de ozônio.

Será o primeiro chefe do Vaticano a participar de uma Assembleia Anual da ONU, e essa participação está longe de ser uma simples visita de cortesia. Entre as poucas pessoas que terão reuniões privadas com Francisco nessa ocasião está o presidente russo Vladimir Putin. É bom lembrar que a Rússia não se apresenta em sessões do organismo internacional há duas décadas, e que o fará desta vez sob a pressão das sanções econômicas e financeiras impostas pela União Europeia – que esta semana decidiu estendê-las por mais seis meses. As medidas consistem em congelar contas e proibir os países da Zona Euro de ter relações comerciais com uma lista de 40 empresas russas, muitas delas da área energética. Interesses geopolíticos em duas zonas mais conflitivas, como são a Síria e a Ucrânia, entram em conflito com os negócios de grande alcance em matéria petroleira. O papa, uma vez mais, se envolveu nessas graves tensões e tem uma relação muito próxima com Putin, que foi recebido no Vaticano, em junho passado.

Concluída a etapa novaiorquina, Francisco irá a Filadélfia, a cidade onde se assinou a independência dos Estados Unidos, e ali terá atividades até o domingo pela noite, antes de tomar um avião que o levará de volta a Roma. Serão nove dias no total, dois a mais do que o necessário para criar o mundo, segundo a Bíblia, e um a menos que aqueles que, segundo John Reed, comoveram o mundo durante a revolução bolchevique de 1917.

Tradução: Victor Farinelli

CARTA MAIOR

Última actualización el Martes, 22 de Septiembre de 2015 11:10