Cuba hoje: Uma visita à Havana Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Miércoles, 27 de Agosto de 2014 00:10

Alaor, Maria e eu almoçamos em um restaurante de Havana Velha com dois taxistas que haviam nos conduzido por vários itinerários da capital cubana. A conversa então entretida valeu-nos a percepção de importantes aspectos da realidade política da ilha. Os dois aos poucos foram se confessando oposicionistas. Um deles chegou a formular esta frase, num momento em que falava da censura do governo à imprensa: “para se conhecer o monstro é preciso conhecer-lhe as entranhas”.

É, pois, oposicionista radical ao regime. Sua mãe é exilada na Flórida, há mais de 20 anos. Perguntados por nós sobre o salário dos professores disseram que giram em torno de 300 pesos. Essa informação conflitou bastante com a do taxista com quem mais andamos, pois que nos disse ser de 500 a 600 pesos a remuneração do magistério. Um daqueles dois interlocutores mostrou-nos cicatrizes da cabeça dizendo-nos que resultaram de espancamento pela polícia. Disseram-nos também que apesar de silenciosa há em potencial considerável oposição em Cuba.

 

Por Eurico Barbosa.-

Um dos dois, três dias após esse nosso encontro passou em frente ao Hotel Inglaterra e segundo nos contou o seu colega, em voz não muito alta bradava para ser ouvido apenas por um pequeno circulo: “Abajo Fidel, abajo Raúl”.

Na verdade, pelo comportamento do povo em geral não dá para se perceber descontentamento popular. A sociedade cubana parece tranquila e acomodada. Durante o governo revolucionário houve conquistas sociais, principalmente nos setores de Educação e Saúde. Tanto que o subtítulo da obra de um notável intelectual cubano, Antônio Rangel Bandeira, intitulada Sombras do paraíso, é este: “preservar as conquistas sociais e democratizar o regime?”

Vem ocorrendo em Cuba de alguns anos para cá importantes reformas econômicas. Já apresentam elas sensíveis resultados, como atesta a remodelação de Havana, a qualidade da pavimentação de ruas, avenidas e rodovias, a qualidade do transporte coletivo, o evidente crescimento do turismo e a constatação de consideráveis investimentos estrangeiros. Com relação ao crescimento turístico as informações dão conta de que de 70 a 100 mil norte-americanos já hoje visitam Cuba anualmente.

E reformas políticas? Quando ainda presidente de Portugal Mário Soares inegavelmente um grande democrata prefaciou o já mencionado livro de Antônio Rangel Bandeira, Sombras do Paraíso e do seu prefácio extraio este tópico:

“segui, por tanto, os primeiros tempos da Revolução Cubana por forma totalmente solidária com a maior simpatia e esperança. Em 1964 fui convidado oficialmente a visitar Cuba – o que fiz clandestinamente, com passaporte falso, conseguido pelos cubanos em Roma – quando em Portugal era já embaixador o filho de Amado Blanco, viajando via Praga, onde fiquei alguns dias à espera, num velho avião a hélice, com quase um mês a ilha, visitei os lugares históricos e as chamadas “conquistas revolucionárias” de que tanto se orgulhavam, ouvi um discurso interminável de Fidel, num aniversário qualquer, mas não contatei diretamente com ele (não tinha importância para tanto), tendo sido endoutrinado o quanto basta pelo o meu acompanhante oficial, que não se cansava de gabar os méritos da revolução, salientando as suas grandes originalidades, e de celebrar as tais “conquistas da revolução”. Devo dizer que não me convenceu. Não gostei do que vi nem do modelo que então me diziam estar a ser aplicado – uma espécie de comunismo “doce”, com “rum e chá-chá-chá.” Muito diferente do intolerável comunismo tcheco (que vira em Praga), tristíssimo, cinzento, sem a mínima capacidade de atração, como os próprios comunistas cubanos reconheciam “aqui será diferente” garantiram-me. Mas enganavam-se a si próprios: a lógica do poder era a mesma e conduzi-los ia, necessariamente, a semelhante situação como infelizmente aconteceu.

Li depois reportagens, artigos de opinião e livros que foram aparecendo sobre Cuba – com um tom quase sempre de simpatia e de respeito por Fidel, apesar das objeções e críticas que se iam filtrando. A intelectualidade europeia tardou em descobrir a realidade. Recusava-se a ver o que manifestamente não queria ver. Uma posição mais realista representaria o fim de um mito longamente alimentado. René Dumont, com a lucidez e a independência que lhe tem sido peculiares, terá sido dos primeiros a denunciar o caminho totalitário da Revolução Cubana – no primeiro, de 1964 em que colocou algumas questões pertinentes – Cuba, Socialisme et Dévéloppement – e um segundo, de 1970, onde foi muito mais claro: Cuba Est - Il Socialiste? Em René Dumont, Uni Vie Saisie par l’ Ecologie, refere Jean-Paul Besset, a propósito de uma célebre discussão entre Fidel e Dumont quando o comandante máximo o acusava de “criticar tudo” apontando-lhe os testemunhos favoráveis de Sartre e de Simone Beauvoir. Dumont respondeu: “Satre e Beavouir são notáveis escritores, mas não constituem autoridade em matéria econômica e muito menos em agricultura”.

O prefácio de Mário Soares é bastante longo e dele extraio apenas mais este tópico que traduz a preconização do ex-presidente de Portugal: “o socialismo democrático ou social democracia (as expressões são equivalentes) representam o movimento reformista de justiça social, que procura a igualde de oportunidade para todos, gradual e pragmaticamente, em liberdade e dando conteúdo social e econômico aos direitos humanos. É um movimento humanista que procura estabelecer sociedades de justiça e liberdade, no quadro de um estado de direito, reconhecendo a supremacia da lei, a divisão dos poderes e o princípio essencial da alternância democrática”.

É o que Mário Soares não vê em Cuba mas deseja ardentemente para ela.

(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às quartas e sextas E-mail: Esta dirección electrónica esta protegida contra spam bots. Necesita activar JavaScript para visualizarla )

Diário da Manhã

Eurico Barbosa

 

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Última actualización el Viernes, 29 de Agosto de 2014 12:00