A ilusão de ótica cubana Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Jueves, 23 de Mayo de 2013 08:59

Machado Ventura não foi relegado, mas o contrário.

Quando se escreve sobre Cuba muitos dos seus propagandistas se empenham ainda em disfarçar a realidade da ditadura. Ao contrário do brilhante discípulo de “Juan de Mairena”, traduzem “o que acontece na rua” pelos “os eventos consuetudinários que acontecem na rua”.

Infolatam
Madri, 13 maio 2013
Por Vicente Botín

(Especial para Infolatam).- Mancham a realidade com ornamentos, a disfarçam para torná-la mais digerível. Falam de reformas, mas ignoram que nenhuma dessas “reformas” eliminou o corpus jurídico da ditadura, em especial as leis “mordaça” e de “periculosidade pré-criminosa”. Esta última castiga “a especial tendência que uma pessoa tem para cometer delitos”, isto é, o crime da mente, o “crimental” do qual fala George Orwell em seu livro “1984”.

As leis repressivas seguem aí, não se modificaram nem um pouco e se aplicam estritamente contra os que contradizem a verdade oficial. A política de portas abertas para que alguns destacados opositores como Berta Soler ou Elizardo Sánchez possam viajar fora de Cuba responde a uma calculada operação de marketing. O crédito que o governo espera obter por sua “benevolência” é superior à mensagem negativa que dão os dissidentes extramuros da ilha. A atitude “tolerante” de Raúl Castro está servindo de munição para os publicitários do regime que já puseram em marcha “a máquina do esquecimento”. Depois, quando o ruído tenha se apagado, acordará a fúria e o gato seguirá jogando com o rato como melhor lhe convenha, dosando os atos de repúdio, as surras e detenções, a retirada de passaportes… O marketing tem seus limites.

Os pregadores das boas novas da revolução cubana anunciam com pompa e circunstância que a era pós Castro começou e que as reformas econômicas iluminarão, inevitavelmente, uma liberalização política. Inferem que a nomeação do “jovem” Miguel Díaz-Canel como primeiro vice-presidente do Conselho de Estado em substituição de José Ramón Machado Ventura, um marxista dogmático, é um primeiro passo para a transição porque no caso do falecimento ou renúncia de Raúl Castro, Díaz-Canel o substituiria na presidência. Isso é verdade, mas só pela metade.

Machado Ventura não foi relegado, pelo contrário. O artigo 5º da Constituição estabelece que “O Partido Comunista, martiano e marxista-leninista, vanguarda organizada da nação cubana, é a força dirigente superior da sociedade e do Estado”, isto é que o poder emana do partido acima das demais instituições do Estado. A autoridade de Raúl Castro como antes a do seu irmão Fidel não procede do seu cargo de presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, senão por ser o primeiro secretário do Partido Comunista. E Machado Ventura, o “Machadito”, como lhe chamam os irmãos Castro, é o segundo secretário, isto é, o número dois na escala do poder. Em caso de morte ou incapacidade de Raúl Castro, Díaz-Canel o sucederia na presidência, mas o poder real seria de Machado Ventura e se tivesse falecido, de quem designe a cúpula do partido.

Dos 15 membros que integram o Politburo Político do Partido Comunista, sete são militares (eram oito antes da morte do general Julio Casas Regueiro): Raúl Castro, Ramiro Valdés, comandante da Revolução e vice-presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros; Abelardo Colomé Ibarra, ministro do Interior e vice-presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros; Leopoldo Cintra Frias, ministro das Forças Armadas Revolucionárias e membro do Conselho de Estado; Álvaro López Miera, vice-ministro primeiro e chefe do Estado Maior das FAR, e Ramón Espinosa Martín, vice- primeiro ministro das FAR. Todos eles têm um enorme peso histórico na revolução e custa acreditar que estariam dispostos a ceder satisfatoriamente o poder a um burocrata, a um apparátchik como Díaz-Canel.

Outros militares que não fazem parte do Politburo Político do PCC ocupam importantes postos na cúpula do poder, como os generais José Amado Ricardo, secretário executivo do Conselho de Ministros; Carlos Fernández Gondín, vice-ministro primeiro do ministério do Interior; Joaquín Quintas Solá, vice-ministro das FAR; e o coronel Alejandro Castro Espín, filho de Raúl Castro e chefe de Coordenação e Informação dos Serviços de Inteligência e Contra inteligência das FAR e do ministério do Interior. Outro peso pesado é o coronel Luis Alberto Rodríguez López-Calleja, presidente executivo da GAESA, a malha empresarial das FAR, ainda que possa ter perdido influência depois de se divorciar de Déborah Castro Espín, filha de Raúl Castro. Não há que esquecer também dos generais Lucio Morales Abad, Rafael Bello Rivero e Onelio Aguilera Bermúdez, chefes das três zonas militares em que está dividido o país.

Cuba não é a extinta União Soviética nem Díaz-Canel é o Gorbachov cubano. Só é um protegido de Raúl Castro como outros foram do seu irmão Fidel. Sua nomeação responde ao mesmo esquema de ascensão utilizado historicamente com outros “jovens” como Carlos Aldana, Roberto Robaina, Felipe Pérez Roque ou Carlos Lage, que foram depois abandonados a sua sorte. Depois que Lage e Pérez Roque fossem “arruinados”, Fidel Castro escreveu em uma de suas reflexões que “o mel do poder pelo qual não conheceram sacrifício algum despertou neles ambições que os conduziram a um papel indigno”. Isto é que desfrutaram do poder, mas careciam da “legitimidade” da luta guerrilheira. Díaz-Canel também não dispõe desse “certificado” que lhe assegure um passaporte para o futuro frente ao sinédrio de “heróis” da revolução que detenha o poder em Cuba.

Com esse “ideário” é difícil pensar que Díaz-Canel seja o potencial candidato que vá dirigir o processo de transição em Cuba.

Ao designar Díaz-Canel como vice-presidente primeiro do Conselho de Estado, em fevereiro passado, Raúl Castro disse que Cuba atingiu “uma transcendência histórica porque representa um passo definidor na configuração da futura direção do país mediante a transferência paulatina… dos principais cargos às novas gerações”. No entanto, essa transferência não depende tanto das novas gerações, mas da “velha” nomenclatura que se encontra dividida com respeito às reformas econômicas que Raúl Castro está realizando. O professor Carmelo Mesa Lago assinalou que, “apesar do que diz Raúl Castro sobre a unidade na liderança, tudo indica que existe um dissenso na cúpula do poder, assim como nos níveis intermediários. Uns apoiam as reformas para melhorar o desempenho econômico e social, e assim salvar a revolução, outros as rejeitam por temor a desatar forças que se escapem do controle do regime”.

O pulso entre reformistas e imobilistas se mantém vivo frente à grandiloquência dos discursos. E no meio dessa batalha está Miguel Díaz-Canel, um honrado servidor público que fez carreira no Partido Comunista de Cuba onde deixou “pérolas” difíceis de esquecer. Em 2009, quando era ministro de Educação Superior, Díaz-Canel proibiu que 30 jovens cubanos viajassem aos Estados Unidos para estudarem como bolsistas no Bureau of Educational and Cultural Affairs desse país porque, segundo disse, as bolsas são “uma mostra das ações que a Administração norte-americana atual realiza para tentar penetrar ideologicamente a juventude universitária”. Também foram muito prejudicados os pobres estudantes aos quais acusou de “inconsistência ideológica inadmissível” e de “confusão e incompreensão dos pilares básicos nos quais se sustenta a ideologia da nossa Revolução”.

Com esse “ideário” é difícil pensar que Díaz-Canel seja o “substituto” que vá dirigir o processo de transição em Cuba. É uma figura decorativa, uma ilusão, uma ilusão de ótica, essa técnica pictórica que brinca com a perspectiva, o sombreado e outros efeitos óticos para enganar a vista. Mas, a realidade da ditadura não admite armadilhas. Como diz Laocoonte em Eneida: “desconfio dos gregos inclusive quando trazem presentes”.

Tomado de INFOLATAM

Traduzido por Infolatam