ELIAN: UN GAROTO ISOLADO EM CUBA Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Domingo, 18 de Abril de 2010 10:01

– Acuso o recebimento de sua solicitação. Por decisão de sua família, até o momento, Elián González não dá entrevistas. Saudações, Carina. A concisa declaração acima é oficial. Foi dada a Zero Hora por Carina Soto, diretora do Centro de Imprensa Internacional do governo cubano, por e-mail, às 20h41min do último dia 9, uma sexta-feira, respondendo a solicitação de entrevista com Elián González feita na segunda-feira anterior, dia 5, às 19h42min.


–Todos queremos falar com o menino, mas, em 10 anos, jamais nos deram acesso. Na semana passada, o governo comunicou não ter interesse em mudar sua atitude. A família González é privilegiada e protegida no país.

Já esta é uma declaração longe de ser oficial. Foi dada por Fernando González, produtor sênior da agência de notícias Associated Press, também a ZH, que tentava contornar o oficialismo para chegar a Elián, o menino cubano que, 10 anos atrás, naufragou com a mãe na costa americana e, após disputa que durou sete meses (dezembro de 1999 a junho de 2000), foi devolvido a seu pai, Juan Miguel González, em Cuba. Elián tinha seis anos. Agora, 16.

Das trocas de e-mails acima, chega-se a três conclusões: 1) o cerco a Elián está no auge, mesmo 10 anos depois do seu retorno a Cuba; 2) o governo tenta atribuir à família o isolamento do adolescente, quando há uma estratégia oficial de preservar sua privacidade; 3) a família de Elián vive em um padrão de classe média superior à maioria dos cubanos.

O sociólogo Emir Sader, aliado do governo cubano, intercedeu a favor de ZH para que a entrevista ocorresse. Sem sucesso. E alegou:

– Não consegui, o governo procura preservar Elián.

Atitude correta para proteger um adolescente exposto em um difícil e talvez traumático momento da infância e que agora precisa ser resguardado? Isolamento de um menino para moldá-lo mediante privilégios como ícone do regime? Na busca pela entrevista, ZH não chegou ao menino, efetivamente inacessível. Mas, em duas semanas, pôs em campo uma apuração que delineou a vida de Elián em Cuba. Confira:

O cotidiano

Elián é um asceta. Estuda para ser oficial das forças armadas cubanas na Escola Camilo Sinfuegos, da cidade de Cárdenas. Participa de encontros da União de Jovens Comunistas (UJC), grupo no qual ingressou em 2008, com 180 companheiros. Costuma vestir uniforme verde-oliva com detalhes em vermelho. Tornou-se, enfim, um jovem modelo do regime castrista. É estudioso e tem disciplina até na alimentação, baseada em frutas e verduras. Vive com o pai (que trabalha no restaurante de um hotel e é deputado na Assembleia Nacional cubana) e com o irmão mais novo, Yanny. A figura da mãe, morta no naufrágio do qual Elián sobreviveu, é preservada pelo pai, que acata orientações de psicólogos. O fato de ela ser dissidente do governo cubano é visto como resultado da pressão dos parentes que vivem em Miami – os tios que tentaram manter Elián nos EUA – e a ludibriaram. A vida normal do jovem de classe média é quebrada todos os dias 6 de dezembro, quando seu aniversário se torna um acontecimento público. No poder, Fidel Castro participava da festa.

O controle

Os críticos ao governo cubano consideram Elián uma vítima do governo cubano. Alguns deles foram consultados por ZH:

– Usam o menino como um trunfo. É um absurdo – diz Laura Pollán, presidente da organização Damas de Branco, principal grupo de oposição em Cuba.

– Ninguém consegue chegar perto dele. Por que manter a imprensa à distância? – questiona a blogueira Yoani Sánchez.

Dois correspondentes da Associated Press, um da Efe e outro da France Press relataram à reportagem os 10 anos de tentativas infrutíferas para chegar ao menino.

A segurança

São três seguranças que cercam a casa de Elián e levam o menino a seus compromissos. Quem observou o garoto nos 10 anos desde que ele retornou a Cuba garante: seus olhos negros traíam certo deslumbramento e inocência. Isso até 2005, o ano em que ele fez seu primeiro discurso público. Desde mais ou menos essa época, o olhar determinado se tornou uma marca do ex-balseiro. Um que outro amigo, especialmente colegas da escola, costuma chegar à casa também cercado pelos seguranças. Quando alguém se aproxima com uma máquina fotográfica, ela é confiscada. Ninguém, portanto, sequer tenta pressionar o botão do aparelho.

A casa

O menino, o pai e o irmão vivem em uma casa semelhante às outras do seu entorno, de um piso, simples, mas mais luxuosa do que a de antes do resgate. Fica no centro de Cárdenas, cidade da província de Matanzas (a 40 km de Varadero e 90 km de Havana). Na frente da casa, entre tantas ruas estreitas e construções padronizadas, um “monumento à bicicleta”. É o indicativo. Ali, está Elián.

A outra casa

A poucas quadras da casa onde Elián vive, um vistoso prédio amarelo, de três andares, em meio a casas antigas e com pintura gasta, está o Museu das Ideias, mais conhecido como o Museu de Elián. Há estátuas (uma delas, de três metros, mostra o menino carregado por braços e coberto pela bandeira cubana), fotos, e frases espalhadas pelas paredes.

A ideologia

Em recente congresso da UJC, Elián pediu que se enfrente a “apatia” política e a “desobediência das leis” na juventude cubana.

– Quero ser um oficial das forças armadas. Quero defender a revolução – disse ele.

As lendas

Muitos cubanos opositores ao regime dizem que Elián é a encarnação da Elegua, divindade afrocubana conhecida na santería (a umbanda local). Elegua é uma “criança diabólica”, que até no nome lembra Elián (Elián = Elegua). Teria vindo à terra para ser um novo Moisés, líder e libertador de um povo. Contam que Elián teria sobrevivido ao acidente na balsa, 10 anos atrás, com a ajuda de golfinhos orientados por anjos.

A história

Após sofrer sete abortos, Elizabeth Brotons deu à luz um menino em 6 de dezembro de 1993. O nome, Elián, de Elizabeth e Juan Miguel – o pai. Os dois se separaram em 1997. Em 22 de novembro de 1999, Elián e a mãe, sem o conhecimento de Juan Miguel, tomaram uma embarcação de cinco metros de comprimento com mais 12 pessoas e três câmaras de pneu para servir de salva-vidas. Fugiram para os EUA. Mas naufragaram. Elián sobreviveu. A mãe, não. Salvo em alto mar pela guarda costeira americana, foi entregue aos irmãos da mãe, que vivem em Miami. Abriu-se, então, uma disputa que durou meses, até o retorno de Elián ao pai, em 22 de abril, após aparatosa operação policial de resgate. A Cuba, retornou em 29 de junho

 

Última actualización el Domingo, 18 de Abril de 2010 10:05