CUBA: A PRINCIPAL BLOGUISTA OPOSITORA YOANI SÁNCHEZ: "TENHO MEDO DE TER MEDO" Imprimir
Escrito por Indicado en la materia   
Miércoles, 27 de Enero de 2010 10:29

Sánchez é uma mulher destemida. Esta cubana de 34 anos luta para que o país se transforme, finalmente, numa democracia. Em entrevista telefónica, desmistifica a "nova" Cuba.

Licenciada em Filologia, professora clandestina, bloguista, Yoani Sánchez está agora mais virada para a informática do que para o estudo científico da língua espanhola.

 

Anabela Natário (www.expresso.pt)
6:01 Quarta-feira, 27 de Jan de 2010

São as novas tecnologias que permitem a esta corajosa cubana, casada com um jornalista e mãe de um adolescente de 14 anos, continuar a resistir no país dos manos Castro. E o facto de, há dois meses, três elementos da polícia política a terem metido num automóvel para a espancar e atirar à rua, quando se preparava uma manifestação contra a violência, aproveitando os 20 anos da queda do muro de Berlim, deu-lhe ainda mais força para vencer o medo de viver na ilha, onde a dita abertura, iniciada pelo novo Presidente, não passa de um truque de magia explorado pelos meios de comunicação estrangeiros. A única diferença é que Raul Castro faz discursos mais curtos, diz esta resistente, que se falasse em público, com a consistência e a entoação das suas palavras, podia arrastar multidões.

 

Não tem medo do que o sistema lhe pode fazer por querer ser uma pessoa livre? O medo nunca me abandonou desde que, em Abril de 2007, criei o meu blogue www.desdecuba.com/generaciony). Claro que tenho medo, mas o que se passa é que, no meu caso particular, o medo não me dá para ficar paralisada, mas sim para correr até à fonte daquilo que me causa mais medo. E, precisamente porque o maior pânico é viver com medo - ou seja: tenho medo de viver com medo -, comecei um exorcismo virtual, para expulsar de dentro de mim a frustração da apatia e, claro, do temor. Do temor que um cidadão tem quando vive num país onde o Estado é todo-poderoso e pode, um dia qualquer, afastar-te com as suas leis, com a sua campanha de difamação, com a sua imprensa, com a sua polícia política.

 

Não há diferença entre a Cuba de Fidel Castro e a Cuba de seu irmão Raul Castro, que lhe sucedeu na Presidência? A diferença é que, com Raul, temos discursos políticos mais curtos e menos presença física nos media. Na realidade, a liberdade do cidadão está no mesmo nível, no mesmo baixo nível, e, sobretudo, a repressão, a intolerância perante quem pensa de maneira diferente, a penalização pelas opiniões contrárias às do Estado continuam com a mesma intensidade.

 

Mas não há uma abertura? Não, não. A abertura foi uma grande ilusão, fomentada, em especial, pelos media estrangeiros. A realidade é que Raul Castro, nestes dois anos que está no poder, apenas efectuou pequenas transformações, muito cosméticas, e que eram mais uma obrigatoriedade, isto é, que foram mais para o sistema poder sobreviver do que para dar um sinal de maior abertura ou mais democracia aos cidadãos.

 

Yoani Sánchez: 'Tenho medo de ter medo'


Como é o seu dia-a-dia? O meu dia-a-dia é complicado. Em Cuba, o quotidiano está marcado pelas carências, pela dualidade monetária, pelas largas filas para comprar comida ou para apanhar um transporte, e eu, claro, não posso escapar a nada disso. Gasto uma boa parte do meu tempo na busca de algo para pôr no prato da minha família. Trabalho de forma ilegal, 'underground', como professora de espanhol para estrangeiros. À tarde e à noite, dedico-me a escrever os 'posts' que, uma ou duas vezes por semana, envio para um amigo que se encontra fora de Cuba e os publica na Internet.

 

Mas o seu blogue não se lê em Cuba... O meu blogue está bloqueado para o interior de Cuba, desde Março de 2008, mas isso não significa que não se leia. Os cubanos são muito criativos em encontrar caminhos paralelos para tudo. O que não vendem nas lojas, nós compramos no mercado negro, e a informação censurada também a procuramos no mercado negro da informação. Assim, de mão em mão, através de 'memórias flash', de cópias em CD, de cópias impressas, circulam os meus textos e os textos de outros bloguistas alternativos. Para mim, o melhor barómetro para saber quantas pessoas me lêem é a quantidade de gente que me conhece e me dá palavras de ânimo quando ando na rua. Tenho essa vivência pessoal, em corpo e alma, de que os alternativos estão a ser lidos no interior da ilha.

 

Há uns exilados cubanos que dizem que a Yoani não é quem diz ser, que é impossível levar a vida que leva, escrever o que escreve... Dizem que deve estar feita com o Governo. Que responde? Há muitas teorias... em geral, sou uma pessoa respeitadora das opiniões alheias. A imagem que muitos dos emigrantes têm da ilha ficou congelada no tempo. Claro que há 20 anos era impossível escrever um blogue ou ter a possibilidade de publicar no Twitter, partindo do interior de Cuba. Não significa que, agora, o nosso Governo seja mais tolerante ou tenha dado mais espaço de opinião aos cidadãos. O que significa é que a tecnologia veio em nossa ajuda, aumentou a possibilidade de o cidadão se expressar, nem que seja só no mundo virtual. Por isso, o que digo a essas pessoas que fazem afirmações tão contundentes é que actualizem a ideia que têm da ilha e vejam que não é só Yoani Sánchez, é um fenómeno amplo que cada vez engloba mais pessoas. Essas teorias da conspiração são um elemento que serviram, durante anos, para nos desunir e, sobretudo, para nos subjugar.

 

Mas é perseguida, vigiada, já foi detida muitas vezes, não? Não gosto muito do papel de vítima, sou completamente responsável pelo que faço. O custo do meu blogue, o custo pessoal e social foi alto, mas não me arrependo. Há pessoas que pagaram um preço muitíssimo maior, como a prisão ou a morte. No meu caso, é não poder sair do país, é estar condenada à imobilidade insular. Outro custo pessoal tem sido a intimidação: a constante perseguição na rua pela polícia política, o aparato policial à volta da minha casa, a intenção de me desorganizarem ou estigmatizarem-me socialmente. E, nos últimos meses, há uma pressão de carácter muito mais físico, com algumas agressões e detenções, sobretudo no mês de Novembro. Mas penso que o melhor bálsamo para conseguir superar tudo isto é a transparência. Não tenho nada a esconder, digo tudo o que penso, escrevo na Internet, sem violência verbal. Não tenho armas, não estou a preparar um grupo armado ou um ataque a um quartel. Faço com que o remédio contra a repressão seja, precisamente, cada dia ser mais honesta, entre o que penso e o que escrevo.

 

Quem pensa que vai suceder a Raul Castro? Este é um sistema que, como Saturno, tem comido os filhos. As últimas vítimas foram Carlos Lage (ex-vice-presidente) e Felipe Pérez Roque, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros. Esse foi um sinal claro de que um dos grandes problemas, um dos resultados negativos que tem tido todo este processo em Cuba, é a incapacidade de se criar uma renovação, de se chegar ao coração dos mais jovens. Penso, sinceramente, que quando a biologia ditar a última palavra, algo de irremediável, não haverá continuidade. Estamos perante um sistema que se baseia na vontade de alguns homens. Não há um sentimento generalizado na população, muito menos um apoio que venha da juventude ou de uma possível renovação geracional.

 

Então, pensa que vai haver uma ruptura? Sim, penso que vai haver uma ruptura, só espero que não seja dramática nem violenta. Desejo um caminho pacífico para a minha ilha. Lamentavelmente, o Governo, neste preciso momento, tendo nas mãos a possibilidade de fazer uma transição gradual, está apostado no imobilismo, no controlo, na estatização. E creio que pode levar a situação a um ponto de fractura violenta. Espero que tenha a inteligência, o discernimento e, sobretudo, a responsabilidade nacional de abrandar o apertado controlo e dar mais liberdade aos cubanos.

 

Numa entrevista no final do ano passado disse: "Pelo que vejo nas ruas, é difícil acreditar que os cubanos possam sobreviver tantos anos." Porquê? O que eu penso é que a situação está no limite. À economia cubana deu-lhe o colapso total, é um país em quebra, mais de 70 por cento do que consome tem de ser importado e isso é incrível, numa ilha de terra fértil, de belas praias, onde poderíamos viver da agricultura, dos serviços, da indústria ligeira. O país está dependente do vaivém exterior. Por outro lado, há uma crise de identidade nacional. A maioria das pessoas quer emigrar para realizar os seus sonhos, e muitos cubanos sentem que o país não lhes pertence. Também há uma crise de ideologia, de utopia de ilusão, resultante, especialmente, dos fracassos acumulados deste sistema. Penso que este quadro é de um cenário terminal, um cenário de agonia, portanto, não acredito que a situação actual se possa manter durante muito mais tempo e tão-pouco os cubanos estão dispostos a mais anos de crise, de falta de abastecimento, a mais anos a ver os filhos partir sem lhes poderem dar, aqui, um trabalho digno, um tecto, a possibilidade de se realizarem os seus projectos pessoais. Não creio, por isso, que se aguente muito mais.

 

Quanto tempo mais julga que Cuba pode viver com este bloqueio que já vai em 47 anos? Sou, estruturalmente, contra o bloqueio norte-americano. Acho que tem sido a justificação ideal para manter este conceito de praça sitiada, onde discordar é trair. Nas lojas do meu país, se for agora mesmo a uma qualquer, podem ver-se muitos dos produtos que se compram nos Estados Unidos, e dizem "made in USA", uma vez que estes deram licença a Cuba para comprar alimentos, nos últimos anos, em especial desde os furacões (que em 2008 destruíram as colheitas e milhares de casas). Mas ficaria encantada se o Governo norte-americano tivesse a lucidez e a inteligência de o terminar já amanhã e com isso seria também o fim do grande argumento, da justificação do descalabro económico, da justificação da repressão e, então, ficaria em evidência a vontade política do nosso Governo quanto à abertura de um espaço de tolerância à liberdade dos cidadãos. Sem o bloqueio o seu poder correria sérios riscos. Eu gostaria que as autoridades norte-americanas o terminassem quanto antes. O bloqueio só afecta os cidadãos, não afecta o Governo, e nós, cubanos, sentimo-nos maltratados neste jogo, nesse dilema, nesse diferendo intergovernamental.

(texto publicado na Revista Única do Expresso de 23 de Janeiro de 2010)

Última actualización el Jueves, 28 de Enero de 2010 10:55